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Talento não se compra nem se empresta. Talento, ainda que escasso, na sua forma bruta pode ter pouca valia. Por isso, ele precisa de mãos hábeis que o forjem como se forja uma frase: letra a letra, sílaba a sílaba, palavra a palavra.
João Carrascoza é um destes artistas raros. Profissional minucioso, escritor completo. E que ainda consegue encontrar tempo para ensinar e forjar novos talentos, na academia e no mercado.
Estamos muitos felizes com o privilégio de termos este profissional tão importante na primeira entrevista do EhDUCA.
Obrigado, João! Receba nosso profundo agradecimento. E de todos os nossos leitores também.
Fiquem com a segunda e última parte da entrevista.
Abrimos uma nova seção com chave de ouro. Entrem e leiam à vontade.
Um abraço a todos.
Henrique Tucci e Raul Otuzi.
O que alguém precisa saber para ser um bom redator? O que deve ler e o que deve aprender?
É necessário, fundamentalmente, ver além da publicidade. Eu diria é que preciso se entregar à vida e ser humilde o suficiente para compreender as razões do outro, não só para ser um bom redator, mas para ser uma pessoa integral. É preciso aprender a se refinar, a ler o que está por trás do véu das aparências.
Quais são os livros obrigatórios na publicidade e fora dela?
Os clássicos-clássicos da literatura universal e os clássicos-contemporâneos.
Você já trabalhou em empresas regionais, nacionais e atualmente está em uma internacional. Qual é a diferença entre estes três mundos?
É o mesmo mundo. Em algumas empresas há menos procedimentos e mais níveis de tramitação de idéias. Em outras, há mais afeto e menos profissionalismo. Claro, há diferenças de metodologia, de foco, de concepção do negócio publicitário. Mas o que interessa mesmo é a visão de mundo das pessoas que atuam nesse exíguo corredor.
Como é criar para clientes internacionais? O alinhamento da comunicação dificulta o trabalho da criação?
Por vezes, dificulta, porque a moldura publicitária se estreita: por vezes temos de fazer uma campanha que seja entendida pela mulher brasileira e pela búlgara, embora elas vivam em sociedades com valorações diferentes. Mas, por outro lado, ajuda, porque nos desafia a perseguir soluções simples, e são elas que tocam as pessoas aqui ou em qualquer parte.
Fale um pouco sobre o seu processo de criação. Você usa referências? De que tipo? Como você trabalha em dupla?
O processo de criação é algo fascinante. Todo seu repertório cultural conta na hora de criar. Referências das mais variadas são matéria-prima básica para um produto criativo diferenciado. Mas não adianta ter um manancial de discursos se não se treina associá-los de forma inusitada.
Todo criador quer ser diretor de criação? O que é preciso para ser um bom diretor de criação?
Uma visão de mundo rica, multifacetada e tolerante para com as diferenças, amplo background cultural, conhecimento pleno da indústria publicitária, sensibilidade para gerenciar pessoas, talento para incentivar, ensinar e compreender o ser humano.
Apesar de mais famoso pela publicidade, sua produção literária também é bastante premiada nacional e internacionalmente, qual é o trabalho que lhe dá mais satisfação?
Ambos me dão prazer e a mistura dessas águas é produtiva, pois uma fecunda a outra com seus diferenciais criativos. Mas há uma diferença: a publicidade tem sido meu projeto profissional, juntamente com a academia, nos últimos vinte anos, e pretendo continuar mais tempo nela. A literatura, todavia, é meu projeto de vida.
Você é um dos autores considerados como uma grande revelação da ficção nacional. Quais são suas dicas para quem também quer se tornar um escritor?
Paixão e disciplina, talvez não nessa ordem.
O que podemos perceber é uma geração que apresenta cada vez mais dificuldades com a redação, em todas as áreas. Como você vê os novos profissionais que estão chegando ao mercado? Você também acha que existe uma carência de bons redatores?
Essa carência sempre existiu. Até mesmo entre os bons redatores publicitários, há aqueles que se escondem atrás dos revisores das grandes agências. Não é fácil fazer um texto redondo, persuasivo, sedutor. Mais do que se instrumentalizar pela escrita, o redator precisa se banhar na vida e refinar seu olhar. É a sua ótica, o seu jeito de ver, que põe em pé seu edifício de palavras.
Qual será seu próximo lançamento – didático e literário?
O novo livro de propaganda será menos apolíneo que os demais, porque desejo adotar um estilo mais dionisíaco. No campo literário, teremos vários lançamentos: um deles será uma reunião de contos de meus cinco livros de histórias curtas, além de inéditos; outro será a edição de uma novela juvenil e também teremos a publicação de minha adaptação de “Pollyanna” para crianças.
Para finalizar, duas perguntas que são a essência do nosso Blog: o que é duca para você? E o que educa?
Brincadeiras à parte, duca é o que de fato educa sem a gente perceber, sem a gente impor, já que educar é desenvolver as potencialidades humanas. Assim como a frase de Guimarães Rosa: “ensinar de repente é aprender”.