quarta-feira, dezembro 21, 2005

Para descondicionar a visão


O texto fantástico que vocês vão ler a seguir é de Otto Lara Rezende. Disse Nelson Rodrigues: "A grande obra de Otto Lara Resende é a conversa. Deviam pôr um taquígrafo atrás dele e vender suas anotações em uma loja de frases". Nós, do EhDUCA, dizemos mais: "Os criativos deviam pegar esse texto e devorá-lo sempre depois de lerem um briefing." É uma baita inspiração para que se busque a diferença. Para fazer a diferença. Pense nisso: o que você viu hoje, viu mesmo? Veja vendo.

Vista Cansada - Otto Lara Rezende

"Se eu morrer, morre comigo um certo modo de ver, disse o poeta. Um poeta é só isto: o modo de ver.”

O diabo é que de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que no cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.

Você sai todo dia, por exemplo, pela mesma porta. Se alguém lhe perguntar o que você vê no seu caminho, você não sabe. De tanto ver, você não vê. Sei de um profissional que passou 32 anos a fio pelo mesmo hall do prédio do seu escritório. Lá estava sempre, pontualíssimo, o mesmo porteiro. Dava-lhe bom dia e às vezes lhe passava um recado ou uma correspondência. Um dia o porteiro cometeu a descortesia de falecer.

Como ele era? Sua cara? Sua voz? Como se vestia? Não fazia a menor idéia. Em 32 anos, nunca o viu. Para ser notado, o porteiro teve de morrer. Se um dia no seu lugar estivesse uma girafa, cumprindo o rito, pode ser que também ninguém desse por sua ausência. O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver: gente, coisa, bichos. E vemos? Não, não vemos.

Uma criança vê o que o adulto não vê. Tem olhos atentos e limpos para o espetáculo do mundo. O poeta é capaz de ver pela primeira vez o que, de tão visto ninguém vê. Há pai que nunca viu o próprio filho. Marido que nunca viu a própria mulher, isso existe às pampas. Nossos olhos se gastam no dia-a-dia, ficam opacos. Ë por aí que se instala no coração o monstro da indiferença.

16 comentários:

Anônimo disse...

Maravilhoooso!!

Anônimo disse...

Vocês perceberam a falta de criatividade e, pior, de bom senso nas assinaturas e/ou slogans de hoje em dia? É verdade. Desculpe a obviedade, mas na propaganda nada se cria, tudo se copia. Mesmo. E o lastimável é que copiam coisas ruins, idéias babacas, ultrapassadas, e até idiotas.


Até vocês? A onda agora é usar o “duca”. Tá cheio de “exemplo” aí para confirmar. Na rádio Eldorado, rola um spot sobre uma promoção dizendo que “Aruba é du caribe”. Uau! Aí, vem os caras do Center Castilho, fechando seus filmes com o que? “É du castilho”. Mas o ápice do copy + paste de mau gosto ouvi da talentosa e experiente atriz Nair Belo. Assinando um comercial de TV, ela diz, com um sorriso rosa e com a voz registrada: “É du cacique”, sobre um plano financeiro do Banco Cacique para aposentados. Beleza!


Não sei quais agências bolaram essas coisas incríveis, mas pera lá! Vamos com calma. Você acha que aposentado gosta, ou até entende, um trocadilho como esse? Também não sei se é porque em agência usam muito a supracitada expressão na frente de layout ou de um título banaca. Claro, tem o cliente também, que quando gosta de uma coisa não há shampoo de piolho que tire a “idéia” da cabeça dele.


Qual o objetivo disso? Eu, sinceramente, não sei. Se é humor, tá fraco. Se é para aumentar a lembrança da marca, a “fórmula” já está desgastada. Podem achar que é uma sacada maravilhosa, sei lá. Afinal, querem falar do que, caralho?

Anônimo disse...

Acho que este texto nos explica claramente a diferença entre VER e OLHAR. Basta refletir sobre tal diferença! É uma brincadeira interessante!
O que você viu hoje? O que você olhou?

Para termos uma boa idéia, para criarmos algo interessante e de impacto, devemos ver ou olhar nosso problema?

Anônimo disse...

esse anônimo de cima sou eu!! Desculpe!

Anônimo disse...

A frase do Otto é linda e diz tudo. O comentário abaixo da frase também é muito bom. Até os comentários dos leitores, não vou discordar de nada.
Agora só para acrescentar (mas sem querer defender o Banco Cacique): a expressão "é do Cacique" é uma expressão antiga, que os nossos avós usam ou usavam. Não que isso torne o comercial um primor da criatividade, mas é um exemplo de como muitas pessoas não vêem nem ouvem nada. Nem mesmo os próprios avós ou velhinho no elevador...

Anônimo disse...

Acho que essa correria maluca em que vivemos é a responsável por só olharmos para as coisas ao invés de enxergarmos. E aí? Não vemos. Não vemos. Acho que precisamos aprender a desacelerar...viver a vida, mais l-e-n-t-a-m-e-n-t-e. Sem essa de tudoaomesmotempoagora.

Anônimo disse...

d+...A ausencia do 'ver'causa segueira em muitas pessoas. Lindo texto.

Anônimo disse...

Que texto!
Tem mais?

Anônimo disse...

Acorda, toma café e sai. Corre...corre! Puf! Puf!
Você se lembra do que viu ao sair do portão pra fora de casa hoje de manhã?
Corre... corre. Puf! Puf!

Anônimo disse...

Acorda e toma café??? Você tá com tempo.

Anônimo disse...

Gisela Rao, na Revista Uma deste mês escreve: "Carl Honoré era um desses jornalistas megaestressados, que corria de um lado para o outro, fazia mil coisas ao mesmo tempo e, um dia, se pegou comprando um livrinho de histórias infantis especial para pais sem tempo que só tinham 1 minuto para contar histórias aos seus filhos. Vendo o absurdo da coisa, ele resolveu fundar um movimento chamado Slow Life. Seu livro sobre a filosofia virou um best seller mundial e, no Brasil, chama-se: Devagar - Editora Record."

Vou comprar este livro. Porque como diz Gisela em outra parte do texto: "Nossa vida está passando sem nós."

Ah, e não podemos deixar, não é não?

Anônimo disse...

Concordo com DIB.
Interpretem o texto e comparem com a publicidade. Já disse Toscani com sua autobiografia, compartilhada com a Benneton: "A publicidade é um cadáver que nos sorri".
Ele generaliza. Diz que toda publicidade, menos a dele, morreu. Passou. No máximo se repete. Não cria e não atrai. Em partes tenho que concordar. Vejo consumidores que nãum lêem anúncios. Tratam-os como vendedores de porta em porta, esperando ouvir sempre a mesma ladainha. Poucos surpreendem, e ainda comparando, tocam nossa campainha de forma diferente. Tentar ser um vendedor menos igual que os outros já ajuda.

Anônimo disse...

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